por Marcos Kiehl
Todos que já tiveram a oportunidade de tocar em uma orquestra ou grupo de câmara com
certeza já devem ter vivido ou presenciado alguma situação de constrangimento ou conflito
entre seus integrantes. Na verdade, o ambiente da orquestra é por natureza um lugar
propício a conflitos, pois estão reunidas quase uma centena de pessoas com diferentes
personalidades, experiências, formações, modos de pensar e, ainda por cima, com seus
grandes "egos". Adicione a estes ingredientes já explosivos mais uma pitada de tensão e outra
de ansiedade e fica fácil imaginar porque estamos aqui discutindo este assunto. É mesmo
natural que eles aconteçam, e quem sabe até muito importante que eles existam, pois com
variedade de pensamentos e emoções pode-se chegar a resultados ainda mais interessantes,
desde que tudo seja bem resolvido, é claro!
Como já dissemos, o ambiente da orquestra não é dos mais descontraídos, talvez porque nós
músicos somos geralmente cobrados e estamos constantemente sob observação, e até mesmo
sob constante avaliação pelos nossos colegas, maestros e público, o que exige de nós um
grande controle emocional. É portanto compreensível que músicos que estejam trabalhando
sob estresse sofram eventuais descontroles emocionais.
Mas existem algumas "regras de bom comportamento", por assim dizer, que regidas pelo bom
senso foram sendo estabelecidas através do tempo (e depois de muito conflito, eu imagino!).
Como as orquestras são entidades antigas, de tradição, estas etiquetas de comportamento
foram passadas adiante pelos seus integrantes de forma natural, se tornando um consenso, e
que quando observadas possibilitam que seus integrantes convivam da melhor forma possível.
Algumas destas regras são bastante óbvias e não diferem muito do que podemos considerar
como sendo princípios gerais de "boa educação" e disciplina: chegar no horário, cumprimentar
os colegas, permanecer em silêncio, etc. Mas outros cuidados são, quem sabe, menos
intuitivos e requerem uma atenção um pouco maior. Já tive oportunidade de ler alguns
artigos escritos por músicos com larga experiência de orquestra falando sobre este assunto,
então resolvi reunir aqui algumas destas recomendações de uma maneira bem humorada:
Aqui estão os 10 mandamentos para uma boa convivência na orquestra:
1.Não disputarás! Procure ser solidário com seus colegas e principalmente membros do seu
naipe, não existe atitude pior que aquela de competir com seu colega. Geralmente existe
uma "competição inerente" entre músicos do mesmo naipe, ela deve ser evitada ao máximo e
nunca incentivada. Evite por exemplo estudar as passagens solo dos seus colegas se eles
podem ouvi-lo. Isto geralmente gera competição e disputa. Fuja!
2.Não vos anteciparás a seus irmãos! Na orquestra, esteja sempre com o grupo. Não tente
estar mais certo do que os outros quando estiver tocando em um grupo, mantenha-se junto ao
grupo e não tente mostrar que você é quem está certo. Ou seja, não se antecipe no ataque,
espere e procure sentir o momento certo em que todo o grupo ataca, mesmo que atrasado!
3.Não vos colocarás no lugar do maestro! Não tente impor o seu ritmo, sua dinâmica e sua
interpretação quando tocando em grupo, mesmo que tenha certeza de que é o mais correto
ou que é o que o maestro deseja. Deixe que ele peça e chame a atenção da orquestra, este
não é o seu papel! (não tem nada pior que uma orquestra com 80 maestros...)
4.Não "dedurarás"! Não critique seus colegas na frente dos outros e muito menos aponte o
culpado quando surgir um problema como: desafinação, nota errada, ritmo errado, etc.
Dirija-se a eles no final do ensaio e procure educadamente discutir o problema, comece
elogiando primeiro para parecer simpático, e quando fizer comentários procure usar sempre
expressões como "eu acho que...", "eu tenho a impressão que...", "talvez fosse melhor..."
5.Não desobedecerás à hierarquia da orquestra! Se você está tocando, por exemplo, a 2a
flauta, procure colaborar com quem está tocando a 1a flauta, que geralmente é mais difícil,
mais aguda e mais exposta (além de mais estressante também que a 2a). Portanto não
imponha a sua afinação, sua dinâmica, seu vibrato, sua interpretação, etc. Procure se ajustar
da melhor forma possível, até mesmo se isto prejudicar ligeiramente a sua performance, para
o bom equilíbrio do grupo. O segundo de qualquer naipe dos sopros, por exemplo, tem uma
função na maior parte do tempo de apoio ao primeiro, tocando com certa frequência em
uníssono ou em intervalos difíceis de afinar com o primeiro. Não existe nada pior do que um
"segundo" que quer ser "primeiro"!
6.Não condenarás o próximo! Evite olhar para seus colegas, principalmente os que estão
atrás de você, quando eles estão tocando alguma parte mais exposta ou um solo. Além de
distrair e perturbar, você pode ser mal interpretado e dar a impressão de que está
descontente com a performance do seu colega. Quando alguém erra ou é apontado pelo
maestro então, jamais se vire para olhar quem foi. Lembre-se: da próxima vez, o "próximo"
7.Não desobedecerás à vontade suprema! Pare de tocar assim que o maestro interromper o
ensaio, caso contrário você estará atrapalhando o rendimento do ensaio e tornando-o mais
cansativo para todos. Ao invés de ser o último a parar de tocar, mostre que estava atento e
seja um dos primeiros, assim todos pararão mais cedo. Ah, estude em casa !
8.Perdoais seus semelhantes! Evite atitudes agressivas quando alguém lhe chamar a
atenção, seja seu colega ou o maestro, procure aceitar e se mostrar receptivo às sugestões.
Evite também dar desculpas e discutir muito, mesmo que amigavelmente. Discussões
detalhadas podem ser mais eficientes no intervalo ou ao final do ensaio (brigas então, só fora
9.Não sejais impaciente! Quando perceber que alguém cometeu um erro não se adiante em
apontá-lo. Muitas pessoas têm uma satisfação enorme em mostrar que estão atentas a
qualquer deslize dos colegas e correm para ser o primeiro a avisá-lo do engano. Aguarde que
o maestro corrija, ou se isto não acontecer, espere pelo menos que haja reincidência do erro,
indicando que o músico não se deu conta, pois do contrário, ele já estará ciente de seu erro e
poderá ficar irritado com sua intervenção.
10.Não aborrecerás o maestro desnecessariamente! Evite fazer perguntas ao maestro ou
até mesmo aos seus colegas que não sejam absolutamente fundamentais, pois é muito chato
parar o ensaio e deixar 80 pessoas esperando enquanto alguém tenta se parecer importante.
Perguntas devem ser dirigidas ao maestro após o ensaio ou no intervalo.
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